The Indicator: A Responsabilidade da Beleza

Em seu livro de 2008, The Architecture of Happiness, Alain de Botton argumenta que a arquitetura tem um poder extraordinário quando se trata de influenciar quem somos. Ao dar forma a nossos espaços de vida, ela liga-se à nossa existência emocional. Eu gostaria de ir um pouco mais longe e dizer que como nós residimos na arquitetura, ela reside em nós, colocando-nos nos mundos físico e psicológico.

Mas isso não é de nenhuma forma um argumento novo. Assim como Botton explica em sua recente coleção de ensaios, Religion for Atheists, católicos e protestantes vêm elaborando sobre esse tema por séculos. O mundo ao nosso redor tem um impacto profundo em como pensamos, sentimos e percebemos. Sem essa lógica subjacente não poderia existir arquitetura.

“Ao defender a importância da arquitetura, Catolicismo estava provando um ponto, meio tocante, meio alarmante, sobre a forma como funcionamos”, argumenta Botton. “Estava sugerindo que nós sofremos de uma maior sensibilidade ao que está em torno de nós, que nós notaremos e seremos afetados por tudo que nossos olhos vejam, uma vulnerabilidade que o Protestantismo tem, frequentemente, preferido permanecer cega ou indiferente”.

O arquiteto britânico Augustus Pugin (1812-1852) em seu trabalho em 1836, Contrasts, demonstra através de ilustrações como a cidade protestante, imprudentemente construída sobre uma mais antiga, uma cidade católica mais devota, sinalizou a degradação moral da sociedade.

Por contraste: ‘uma cidade católica em 1440′ (acima) e ‘uma cidade em 1840′ (abaixo), 1836 Print Artist: Augustus Pugin © RIBA Library Photographs Collection

E se sofremos com essa sensibilidade? É melhor que estejamos amortecendo nossos sentidos? É por isso que alguns de nós nos tornamos arquitetos? Nós somos membros de corte super-sensível? Talvez todos nós precisemos de terapia e medicação para que não sejamos tão sensíveis? Para isso, nós podemos também trazer a teoria cognitiva da campo-dependência. Pessoas que são campo-dependentes confiam mais no mundo exterior para o desenvolvimento de um senso de realidade ou de si mesmo. O ambiente construído é então uma disputa entre aqueles que são mais campo-dependentes versus aqueles que são campo-independentes? Talvez essa seja a extensão dos conceitos espirituais-espaciais do catolicismo e do protestantismo que permeiam a cultura ocidental.

Edifício Chiat/Day de Frank Gehry, 1991. Créditos: Allen J. Schaben/Los Angeles Times

Em vista disso, a visão protestante parece ter vencido. Mas, não vamos simplesmente culpar os pobres protestantes. Eles já têm o bastante para estarem deprimidos. Vamos apenas usar a distinção que Botton estabelece entre as estéticas do Catolicismo e do Protestantismo como uma maneira inteligente de tratar a situação da beleza no ambiente construído contemporâneo. A estética protestante encaixou-se ordenada e funcionalmente no funcionalismo industrial. Em seu ensaiso “Functionalism Today” (1965), Adorno afirmou que a arquitetura era incapaz de produzir obras de beleza porque não pode envolver-se no estilo e ornamentação clássica –aqui citando Loos. Se Yael Reisner e os arquitetos que ela apresenta em seu livro, Architecture and Beauty, não são nada, então o que confrontamos é uma “relação conturbada”.

Loos’ Goldman & Salatsch. Via documenta-akermariano.blogspot.com

Kant nunca foi niilista sobre a possibilidade da beleza. Em 1764, ele publicou Observations on the Feeling of the Beautiful and Sublime. Onde ele expõe um caso sobre, entre outras coisas, o relativismo estético. Ele escreve, “os vários sentimentos de prazer ou de descanso desagradável, nem tanto pela natureza ou coisas externas, são despertados pelas próprias disposições de cada um de descolar-se por estes prazeres ou dores”. Essas pessoas que são movidas por presenças materiais ou espaciais se assumem universais enquanto que os nuances destes sentimentos são informados por diferenças de cultura.

O que precisamos, eu acho que Botton está discutindo, é mais capital “A” arquitetura – especificamente o que pode ser classificado como belo-, vamos com Kant para o que quer que isso venha acarretar. Enquanto o que define beleza é subjetivo, nós poderíamos ter certamente mais disto em todas as formas possíveis do que optar por menos, ou se render a desenvolvimentos amortecidos na feiura. A obsessão em curso com a arquitetura (especialmente entre aqueles engajados em fazê-la), sempre que aparece é a manifestação de uma preocupação cultural mais ampla sobre os status de nossos ambientes. Subjacente à emoção de cada trabalho singular de arquitetura está o lamento silencioso que não temos mais desse.

“A” verdadeira arquitetura é relativamente escassa no meio do nosso miasma comercial da publicidade, postos de gasolina, motéis, lavadoras de carro, campus de escritórios, e outras oportunidades perdidas. Se queremos mais beleza então precisamos de uma arquitetura mais atenciosa. Mas antes de tudo, precisamos de leis mais atenciosas a respeito do ambiente como um todo. Como eles dizem na China, “Deixe cem formas de beleza coexistirem e esmagarem tudo que é feio”. Ou, talvez, uma verão mais polida, “Previna a feiura em cada oportunidade e deixe cem formas de beleza florescerem”. Claramente, a sociedade não decidiu que a beleza ambiental é uma prioridade, muito menos uma questão de saúde pública e bem-estar.

Emerald Necklace de Frederic Law Olmsted com seu desenho sinuoso e marcante em meio a Boston’s Back Bay e seu entorno. Imagem via Olmstedfilm.org.

Existem apenas alguns Emerald Necklaces concebidos por Frederic Law Olmsted, por exemplo, que perturbem a malha urbana. Este é o tipo de desenho urbano que estabelece um precedente para a inserção da beleza. Desça qualquer boulevard em Los Angeles, por exemplo, e existem enormes áreas de detritos entre o que pode ser considerada uma arquitetura bela, provocativa ou tocante. A arquitetura é mais parecida com sinais de pontuação do que sentenças que compõem nossas narrativas urbanas. A arquitetura é uma rara ocorrência. Normalmente vemos cadeias de edifícios sem inspiração e alma. Isso faz de nós menos do que pessoas boas? Isto certamente não contribui com o nosso senso de felicidade ou de bem-estar. Se não fosse tão raro não seríamos tão obcecados sobre. Não teria necessidade. Seria como se preocupar com arvores no meio de uma densa floresta.

Alguém pode dizer que o Lincoln Boulevard é mais bonito do que feio? Durante grande parte de sua extensão, apesar da vitalidade de sua cultural comercial, arquitetonicamente é uma veia desoxigenada de resíduos sem inspiração e em decadência. O boulevard poderia ter esgoto a céu aberto correndo ao longo de cada lado. Ele está preso a edifícios, mas dificilmente a alguma arquitetura. É uma tira protestante vazia concebida por oportunistas campo-independentes à procura de espaços para sinalização e lixo. É famoso, na verdade, por ser um dos boulevares mais feios da cidade.

Tal evidência espacial é testemunha da perda arquitetônica e, por extensão, uma perda de todos os cidadãos. Como Botton afirma, “O que conta é quem é dono de cada pedaço de terra, não quem é forçado a olhar para ele, e que depois sofrem do que foi construído ali”. 

O que precisamos, para levar esse argumento a diante, é uma “catolicização” renovada do espaço na qual são garantidos os direitos de beleza aos olhos dos espectadores. Vamos começar esta discussão com um ajuste do contexto correto? Os cidadãos têm o direito à beleza diante de seus olhos a todo o momento, para que possam ser positivamente influenciados a serem bons cidadãos. Nós veremos menos crimes? Teremos menos advogados e mais artistas e poetas? Teríamos mais arquitetos e eles estariam ocupados todo o tempo já que teriam muita feiura para erradicar. Nós teríamos que destruir quase tudo e começar de novo. Que melhor maneira de conseguir uma economia ativa de novo. Ou nós podemos simplesmente dizer que se dane e mudarmos para um país em que se vive entre as árvores.

Sobre este autor
Cita: Fernanda Britto. "The Indicator: A Responsabilidade da Beleza" 17 Jan 2013. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-92083/the-indicator-a-responsabilidade-da-beleza> ISSN 0719-8906

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